segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Portugal sem dimensão para criar marcas próprias

PÚBLICO, 29.10.2007, Natália Faria

Alberto Guisande, especialista no sector, diz que os empresários portugueses devem apostar na inovação nos tecidos e materiais.

Para Alberto Rocha Guisande, membro da direcção do Clube de Negócios Galiza-Norte de Portugal, os empresários portugueses do sector têxtil devem abandonar a aposta na criação de marcas próprias para se concentrarem naquilo que sabem fazer, ou seja, a produção e a inovação nos tecidos e materiais. Convidado do 9º Fórum da Indústria Têxtil, realizado terça-feira em Famalicão, este galego desdramatiza a guerra dos preços no sector e diz que a próxima "invasão" chinesa será na compra dos canais de distribuição europeus.
Que resultados se pode esperar do cluster têxtil entre o Norte de Portugal e a Galiza, previsto no plano estratégico do sector?
O primeiro passo será identificar oportunidades de cooperação entre as empresas. O objectivo é que as empresas galegas venham vender e comprar em Portugal e vice-versa. Para isso, é essencial que as associações sectoriais da Galiza e do Norte de Portugal criem fóruns e mecanismos que viabilizem essa cooperação. Outra questão importante será ir ao encontro do conhecimento produzido no sector, transformando-o em algo que possa ser aplicado imediatamente pelas empresas.
Que diferenças há entre o sector têxtil galego e o português?
A especialização. Os têxteis portugueses especializaram-se na produção e, ultimamente, na busca de novas aplicações para os tecidos. Já a Galiza apostou na marca, desenho e distribuição. Com isto, estão criadas as condições para sermos aliados naturais.
Com base na experiência da têxtil galega, que caminhos aponta para os empresários portugueses do sector?
Focalizem-se no que sabem fazer bem, ou seja, produzir e inovar nos tecidos e materiais. Sobretudo, que definam uma estratégia clara e ganhadora e se concentrem nela, com persistência e perseverança. E é um perigo que, em Portugal, muitos empresários especializados na produção, em vez de melhorarem a sua estratégia e de se afirmarem como aliados estratégicos de alguma marca, optem por investir na criação de uma marca própria.
Mas por que não aliar as competências no fabrico à criação de marcas próprias?
É uma aposta muito arriscada, que requer investimentos muito avultados e capacidades que muitos empresários não têm. Aí, mais do que lançar uma nova marca, o melhor será apostar num cavalo ganhador, ou seja, comprar uma marca que já esteja consolidada no mercado.
Mas defende ao mesmo tempo que o desafio dos empresários têxteis galegos é dominar os canais de distribuição.
Porque Espanha tem um mercado interno grande, onde uma marca tem mais possibilidades de vingar. Portugal tem a desvantagem de ter um mercado demasiado pequeno e fortemente controlado por grandes cadeias para justificar a criação de marcas próprias.
Como é que a moda galega conseguiu contornar a concorrência chinesa e asiática e afirmar-se?
Muitas têxteis galegas foram produzir na China a preços mais baixos. Mas agora começam a sentir dificuldades em vender nalguns mercados.
Esse tipo de resistência irá ditará alguma alteração na tendência para a subcontratação de mão-de-obra na China?
A China tem muitas mais razões para estar preocupada do que a Europa. Muitos fabricantes chineses já começam a ter problemas com o custo da mão-de-obra que se tornou demasiado cara, quando comparada, por exemplo, com o Vietname ou com a Indonésia. A Europa continua em vantagem porque tem o "saber-fazer" que não pode ser copiado de um dia para o outro e um mercado em que as pessoas estão dispostas a pagar mais por um produto europeu.
Mas não acha que a China não terá dificuldades em copiar o know-how europeu?
O que a China vai começar a fazer, dentro de pouco tempo, é começar a copiar-nos na criação de redes de distribuição. A grande tentação das empresas chinesas será vir ao encontro das empresas europeias e comprá-las. E isso será assim porque entrar na Europa com a referência "Made in China" não é algo que comporte uma mais-valia.
Isso deve ser encarado como uma ameaça?
Não me atrevo a dizer. O que me parece claro é que o consumidor é o grande ganhador universal desta competição. O preço dos produtos básicos estancou, baixou nalguns casos, e a qualidade aumentou.
Referiu que um dos desafios actuais é a reconfiguração da oferta comercial.

A tendência dos últimos anos para o formato do centro comercial redundou em prejuízo para as cidades, cujos centros estão empobrecidos. Há, portanto, um desafio que é o de recuperar o espaço do comércio no centro das cidades, organizando-o por zonas temáticas.
Em que medida isso influi na maior ou menor venda de produtos têxteis?
Influi na possibilidade que oferece a cada fabricante de encontrar novos locais onde colocar os seus produtos. Os centros comerciais estão dominados pelas grandes cadeias que não permitem o aparecimento de novos protagonistas no sector, sobretudo se forem de menor dimensão. Se conseguirmos garantir uma maior diversidade de zonas de comércio, o factor preço deixa de ser tão importante. Se conseguirmos vencer esse desafio, conseguiremos reconstruir todo o ecossistema do sector têxtil.

"O que a China vai começar a fazer, dentro de pouco tempo, é a copiar-nos na criação de redes de distribuição".


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